O LIVRO DA MINHA HISTÓRIA
(milonga)
O livro que conta minha história
não está num balcão de livraria,
não tem prefácio, nem dedicatória,
não é romance, nem biografia.
Do livro que conta minha história,
eu fui autor sem saber que eu escrevia.
Olha os caminhos no pasto,
abertos pela canhada,
escritos de chuva e casco
como frases desenhadas,
caligrafia de lida
na flor da terra gravada.
Vê a picumã que desenha
nanquim no junco e no vento,
seiva que ferve da lenha,
galpão de riso e lamento,
guarda em cada cavalete
a antiga história do tempo.
E mira a ponta de gado
que sobe para o rodeio,
pintando pastos pisados
igual caneta tinteiro,
cada borrão delicado
é um conto do pastoreio.
Há uma frase em cada tento
das cordas mais tironeadas,
em cada golpe um sustento,
torcida, chata, ou trançada
e um basto quatro cabeças,
memorial das campereadas.
O livro que conta a minha história
é escrito de rigores e de lida.
E, gravado pelo campo da memória,
vai se perdendo como a própria vida.